Marcelo Lins
Calma, Calma! Não tem nada haver
com o imbróglio entre os nossos hermanos
do sul e os súditos de dona Elizabeth, a segunda. Nem mesmo pretensões
territoriais pernambucanas. Afinal, ficaria estranho entoar Salve a terra dos altos coqueiros
naquele pedaço de rocha árida perdido no meio do atlântico. Bem... vamos aos
fatos. Em meados de 1775, chegam a Pernambuco as primeiras notícias sobre a
sumaca [pequeno navio de dois mastros] que estava desaparecida desde outubro do
ano anterior, quando perdeu-se da frota que saindo do porto do Recife levava
parte do regimento de infantaria do Recife para o Rio de Janeiro.
Plano de las Yslas Malvinas, século XVIII. Biblioteca Nacional.
Tendo partido em 15 de setembro
de 1774, transportando 20 recrutas e os capitães Pedro de Mello da Silva e
Belchior Mendes, os primeiros dia de navegação foram tranquilos, enquanto
navegavam em companhia da frota. Em princípios de outubro, durante a noite, a sumaca
perdeu contanto com a corveta que a acompanhava. Inicia-se então o infortúnio da
embarcação, ventos contrários, chuvas e tempestades, aliados à incompetência do
piloto, fazem com que o barco, sua tripulação e passageiros naveguem durante
mais de dois meses perdidos pelos mares do atlântico sul.
A situação piorou quando um nova
tempestade a deixou sem velas, enxárcias e cabos. Sem poder aportar, para
reabastecer, a situação ia piorando a cada dia. Durante a viagem só se comia e
bebia a cada 24 horas. Segundo o relato do Capitão Pedro de Mello em uma pequena vasilha botava-se uma pouca d’água, e mais azeite doce, e uma
pouca de farinha que depois de inchada dava pouco mais de uma mão de massa
que se comia com um pedaço de carne seca da
largura e comprimento de 4 dedos.
Na terça-feira 13 de dezembro
avistam terra. Com o cair da noite afastam-se da costa para tentar aportar no
dia seguinte. O dia amanheceu com neblina, mas mesmo assim fazem proa para a
terra. Clareando o nevoeiro entraram em uma baia, de onde, não mais conseguiram
sair, afligidos que eram por ventos contrários. Perguntado o piloto sobre onde
se encontravam, este respondeu que não sabia nem para onde tinha navegado, mas
acreditava estarem, segundo seus
instrumentos, 4º ao sul da linha do Equador, no litoral do Ceara ou
Pará.
O navio estava com um buraco na
proa, sem velas, cabos e com a escotilha sem tampa. Durante dois dias tentaram descer
à terra, mas a tempestade os impedia. Quando finalmente desembarcam, decidiram
caminhar rumo sul em busca de algum lugar habitado. O frio que fazia leva-nos a crê que não estávamos no Ceara ou Para como
dizia o piloto, concluía o capitão Pedro de Mello.
Depois de 12 dias de caminhada
comendo apenas capim, encontram três soldados espanhóis. Ficam então, sabendo
que estão bem longe das terras do Ceará, pois encontravam-se na verdade nas
ilhas Malvinas. Os náufragos são levados para o povoado espanhol, onde são
recebidos pelo governador, que imediatamente providencia diligencias para o
resgate do capitão Belchior Mendes que durante a caminhada havia ficado para trás
com seu filho, 12 soldados, alguns escravos e um outro grupo que também ficou
para trás com o furriel [graduação militar superior a cabo e inferior a
sargento] Francisco Luis e mais 4 soldados. Em 13 de janeiro chegou ao povoado o
grupo liderado pelo capitão Belchior Mendes, tendo morrido quatro dos seus soldados
e três escravos. O grupo do furriel Francisco Luis não teve a mesma sorte e
todos morreram. A sumaca nunca foi encontrada.
Depois de recuperados dos seus
infortúnios em terras tão gélidas, os soldados pernambucanos foram levados por
navio espanhol, para a fortaleza de Colônia, cidadela portuguesa encravada em
território espanhol, na entrada do rio da Prata, bem diante de Buenos Aires,
atual cidade uruguaia de Colônia do Sacramento.