Marcelo Lins
Os quase setecentos anos de
presença mulçumana na península Ibérica deixaram vestígios marcantes na cultura
e na língua falada tanto na Espanha como em Portugal. Palavras como almofada (al-muhaddâ), argola (al-gulla), taça . (tása), tambor (at-tanbúr) ainda de uso corrente na
língua portuguesa, outras, no entanto, como aljube (al-jubd), não só tiveram seu significado original modificado, como
perderam o uso no vocabulário corrente do dia a dia.
Aljube de Olinda, segundo desenho de Manuel Bandeira para a edição do livro Olinda – 2º. Guia Prático, Histórico e Sentimental de Cidade Brasileira, de Gilberto Freyre, publicado no Recife em 1939.
O substantivo da língua árabe jubb significa poço, cisterna, buraco. Quando
os cristãos reconquistaram Lisboa em 1147, o edifício do Poço, ou melhor,
Aljube já era utilizado como cadeia pelos potentados mulçumanos da cidade. O
período cristão vai dar continuidade a esta função. A partir de 1536, o Aljube
é constituído prisão dos eclesiásticos, onde ficavam encarcerados os membros do
clero, assim como também os acusados pela inquisição.
Talvez como uma alusão a buraco
com a forma mais simples de cárcere, onde se joga o prisioneiro e se bloqueia a
entrada, ou talvez pelo fato de a cadeia mulçumana de Lisboa ter esta
denominação, a palavra aljube entrou para o vocabulário português como sinônimo
de cadeia, masmorra, cárcere; mais especificamente cadeia eclesiástica.
O Vocabulario Portuguez & Latino de Raphael Bluteau de 1728, define
Aljube com palavra derivada do árabe Gegebe
– “recolher dentro de sí”; ou do hebraico Gebe
– “cova”. Ou mesmo de algibe – “é
cisterna, chamam-lhe assim os mouros, porque nela se recolhe água”. E completa,
Em Lisboa o Aljube é prisão dos
delinquentes em matérias eclesiásticas.
O termo Aljube, extrapolou o prédio lisboeta, e passou a ser empregado como
designativo de cadeia eclesiástica como no Aljube da cidade do Porto, a cadeia
do Aljube em Ponta Delgada, nos Açores, ou a cadeia eclesiástica de Olinda.
O edifício do Aljube de Olinda
foi projetado pelos engenheiros militares João de Macedo Corte Real e Diogo da
Silveira Velozo. Porém, a construção só foi iniciada durante a gestão do Bispo
de Pernambuco Dom Francisco Xavier Aranha, e concluída em 1765, como atesta o
brasão de armas do bispo e a placa de pedra colocada entre as janelas do
pavimento superior.
De acordo com o projeto original,
todo o pavimento térreo forma a enxovia (outra palavra árabe ax-xáiuía –
masmorra, prisão) tipo de aposento característico, principalmente nos prédios
das câmaras e cadeias do Brasil colonial, e que foi utilizado nas cadeias até
os fins do século XIX. Aposento sem portas de comunicação com o exterior, com
acesso feito através de alçapão com o uso de escada de madeira removível.
Em 1864, o aljube foi
transformado em cadeia pública. É monumento tombado desde 16 de março de 1966, como
patrimônio histórico nacional. Mesma época em que sofreu restauração conduzida
pelo IPHAN. Localizado na Rua Treze de Maio nº. 149, na parte alta da cidade,
abriga o Museu de Arte Contemporânea, inaugurado pelo jornalista Assis
Chateaubriand, em 23 de dezembro de 1966.