A palavra galhudo - cheio de galhos, com muitos galhos - teria seu primeiro
registro na língua portuguesa em 1624. O capitão-mor do Recife, senhor do
engenho da Muribeca e lexicólogo brasileiro Antonio de Moraes Silva no seu Diccionario da
lingua portugueza (Lisboa, 1789), relaciona galhudo como sinônimo de corno
- insulto ao
marido de mulher mui devassa. No linguajar popular do nordeste a galha da traição transformou-se em gaia.
A Caça [1] |
No norte de Portugal, na margem sul da foz do rio
Douro, havia um povoado de origem celta, que quando incorporada ao Império
Romano (séc. I A.C.) passou a chamar-se Gale.
Os Celtas chamavam a si mesmos Gall de onde derivariam palavras como gaulês, galego
Gália e Galícia. A antiga Gale romana tronou-se o atual município
de Vila Nova de Gaia, no Distrito do
Porto.
A esta altura está a se perguntar o que tem alhos com bugalhos?
Tirado a coincidência na grafia das palavras. Bem... Nada!. Ou melhor... quase
nada...
A história de Vila Nova de Gaia está ligada a
uma da mais populares histórias de traição da literatura portuguesa medieval, a
Lenda de Gaia. Reza a lenda, que por volta do século X, as
terras ao sul do Douro até Santarém eram governadas pelo emir Alboazer
Alboçadam. Ao norte, ficava o reino cristão das Astúrias (ou de Leão) do Rei D.
Ramiro. Num encontro de negócios, o emir mulçumano acompanhado de sua irmã
Zahara., cuja beleza atraiu a atenção do rei cristão, que rejeitado pela jovem moura, decide raptá-la. Do outro lado, Alboazer corteja a bela rainha
cristã Gaia. Ao tomar conhecimento do envolvimento do rei com Zahara, a rainha
Gaia decide fugir com o emir. Ferido em seu orgulho, D. Ramiro decide atacar o alcácer
(castelo) do Alboazer, na margem do Douro, onde refugiam-se o casal de amantes.
Ramiro entra secretamente no castelo disfarçado de mendigo e através de uma das
servas de Gaia consegue chegar até a rainha. Esta, denuncia a presença do
marido ao amante, que sentencia o rei de Leão à morte. Usando de astúcia, o rei
convence o mouro a abrir as portas do castelo para que toda a população pudesse
assistir a sua execução e obrigá-lo a subir na torre mais alta da muralha e
tocar uma corneta até se rebentar. Não sabendo que este era o sinal acordado
por D. Ramiro para que seu exército atacasse o castelo. A rainha Gaia, levada a
força por seu marido, lança o seu olhar para o castelo na margem oposta, onde
ficou o seu amado, morto. O Rei pergunta. - Porque miras (olhar)? Porque
choras?
Perguntas-me porque
choro!
Traidor rei, que hei-de chorar?
Que o não tenho nos meus braços,
Que a teu poder vim parar.
Traidor rei, que hei-de chorar?
Que o não tenho nos meus braços,
Que a teu poder vim parar.
Perguntas-me o que
miro!
Traidor rei, que hei-de eu mirar?
As torres daquele alcaçar,
Que ainda estão a fumegar.
Traidor rei, que hei-de eu mirar?
As torres daquele alcaçar,
Que ainda estão a fumegar.
Se eu ali tão ditosa,
Se ali soube o que era amar,
Se ali me fica alma e vida...
Traidor rei, que hei-de eu mirar!
Se ali soube o que era amar,
Se ali me fica alma e vida...
Traidor rei, que hei-de eu mirar!
Pois mira, Gaia! E
dizendo
Da espada foi arrancar:
Mira, Gaia, que esses olhos
Não terão mais que mirar.
Da espada foi arrancar:
Mira, Gaia, que esses olhos
Não terão mais que mirar.
Foi-lhe a cabeça dum
talho
E, com o pé, sem olhar,
Borda fora empurra o corpo...
O Douro, que os leve ao mar![2]
E, com o pé, sem olhar,
Borda fora empurra o corpo...
O Douro, que os leve ao mar![2]
O brasão da Vila Nova de Gaia
apresenta como símbolo um homem tocando uma corneta no alto de uma torre, numa
clara referência à Lenda de Gaia. História de um machismo retrógado e arcaico
que infelizmente ainda se faz presente no nosso cotidiano. A história do pusilânime
Rei Galhudo que matou covardemente a
bela Rainha Gaia, mas não apagou a gaia
que lhe ficou no lugar.
[1] Livre de la chasse,
France, XVe siècle.
Paris, BnF, département des Manuscrits, Français 12398 fol. 2v. Em http://classes.bnf.fr/ema/audio/grands/c059.htm