Gostou, compartilhe :

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Tempo de Praia!



Marcelo Lins


Os dias de verão vão chegando quentes, o espaço democrático das praias fervilha de gentes de todas as idades e classes sociais, crianças, velhos, novos, homens, mulheres, negros, brancos, todos em busca da brisa fresca do mar e dos prazeres dos banhos salgados. Afinal, nada combina mais que um dia de verão, praia, uma cervejinha gelada e um banho de mar, não é?

Mas nem sempre foi assim, os banhos de mar, que nos dias de hoje nos parecem tão corriqueiros, só se tornaram populares a partir da segunda metade do século XIX e início do século passado. 





Até final do século XVIII e primeiras décadas do século XIX, o costume, principalmente das classes médias e elite urbanas do Recife, era passar o período mais quente do ano nos povoados ribeirinhos dos rios Capibaribe e Beberibe. Fugindo do calor citadino, as famílias dirigiam-se ao campo em busca de tranquilidade e dos refrescantes banhos de rio, animando durante o período de festas de fim ano os arrabaldes do Poço da Panela, Caxangá, Benfica, Madalena, Ponte d’Uchoa, Beberibe.

É raro encontrar margens mais risonhas do que as do Capibaribe, quando se sobe em canoa até o povoado do Poço da Panela.
Ora são lindas casas de campo, cujos jardins e terraços avançam até o rio; ora belas planícies bordadas de mangues, ou de plantações de mangueiras magnificas, de laranjeiras e de cajueiros... [1]
Até meados do século XIX, apenas alguns poucos destemidos e, principalmente, estrangeiros, mais afeitos aos banhos salgados já bem difundidos na Europa, aventuravam-se nas águas do mar. Em 1837, o naturalista inglês George Gardner, durante sua estadia em Pernambuco, justifica “nos climas quentes dá-se preferência às águas dos rios, para evitar a grande irritação produzida pela cristalização do sal sobre a pele”.[2]

O francês L. F. de Tollenare, em sua passagem por Pernambuco em princípios do século XIX, comenta os costumes da época.

É nas margens do Capibaribe que cumpre ver famílias inteiras mergulhando no rio e nele passando parte do dia abrigadas do sol sob pequenos telheiros de folhas de palmeira; cada casa tem o seu, perto do qual há um pequeno biombo de folhagem para se vestir e despir.
As senhoras da classe mais elevada banham-se nuas, assim como as mulheres de cor e os homens.
A aproximação de alguma canoa, mergulham até o queixo, por decência; mas, o véu é demasiado transparente! Vi nestes banhos a mãe amamentando o filho, a avó mergulhando ao lado dos netos, e as moças da casa, traquinando no meio dos seus negros, lançarem-se com presteza e atravessarem o rio à nado.
A posição do corpo requerida por este exercício não deixa ver a quem passa nem o seio nem parte alguma da frente do corpo, de sorte que elas consideram o pudor resguardado; mas, há outras formas não menos sedutoras que o olhar pode contemplar à vontade.[3]
A partir dos anos de 1840, surgem os primeiros defensores dos banhos salgados, com ênfase nas suas qualidades medicinais. Em 1843, Manoel Pereira Teixeira, membro da Sociedade de Medicina de Pernambuco, recomendava o uso terapêutico “dos banhos frios, e em particular os de mar, durante a estação do verão”[4]. Em seu Dicionário de Medicina Popular (1890), Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, proclama os benefícios do banho de mar para a salubridade e bem-estar físico e mental.
Em 1901, a água do mar é considerada “uma verdadeira água mineral, riquíssima de princípios salinos; uma fonte de vitalidade onde os fracos, os doentes de toda espécie podem encontrar lenitivo para seus sofrimentos. A própria aragem do mar purifica”[5].

As mudanças operadas nos costumes da sociedade pernambucana em meados do século XIX, ficam claras, quando em fins da década de 1840 surgem na imprensa local os primeiros anúncios de aluguel de casas para as temporadas de verão nas praias de Olinda. Diario de Pernambuco de 20 de fevereiro de 1847, divulgava uma casa na rua da Praia de São Francisco cuja proximidade do mar permitia “o uso dos banhos salgados”.

Em 1854, a conclusão da ponte da Tacaruna e a inauguração do serviço de ônibus entre as duas cidades, em meados de 1855, facilitou a ligação entre Recife e Olinda. Os trilhos da maxambomba chegam a Olinda em 24 de junho de 1870. Nesse dia duas mil pessoas circularam nos trens que ligavam o Recife à estação do Varadouro. No verão o aumento da demanda obrigava a Companhia de Trilhos Urbanos a ampliar o horário e número de viagens.

A prática dos banhos salgados difunde-se, indo além do pequeno grupo social da elite e classe média, abrangendo as categorias menos abastadas. Olinda como centro balneário em ascensão recebia a maior parte do fluxo de “veranistas” que corriam às praias do Carmo, Milagres e São Francisco, ao romper da madrugada, antes do raiar do dia, até as sete horas da manhã, como era o costume.

Inda o dia não é claro,
já lá vão por Carmo fora,
Pai, mãe, sobrinho, nora, [...]
Vê-se pisando sestrosas
Sinhazinhas nas areias
Sem botinas e sem meias,
Correndo de quando em quando
Das ondas que vem rolando[6].




[1] TOLLENARE, L. F. de. Notas dominicais. Tradução de Alfredo de Carvalho. Apresentação José Antônio Gonsalves de Mello. 2. ed. Recife: SEC, Departamento de Cultura, 1978.
[2] Citado em ARAUJO, Rita de Cássia Barbosa de. As praias e os dias: história social das praias do Recife e Olinda. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2007; p. 86.
[3] TOLLENARE, L. F. de. Notas dominicais. Tradução de Alfredo de Carvalho. Apresentação José Antônio Gonsalves de Mello. 2. ed. Recife: SEC, Departamento de Cultura, 1978.
[4] TEIXEIRA Manoel Pereira, “Memória sobre as causas prováveis da frequência do hidrocele nesta Cidade do Recife”. In Annaes da Medicina Pernambucana. Recife, ano I, n. II, fev 1843; in  Annaes da Medicina Pernambucana (1841-1844). Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.
[5] Almanach de Pernambuco - Julio Pires Ferreira - 1901 - Recife (PE) - Brasil
[6] ARAUJO, Rita de Cássia Barbosa de. As praias e os dias: história social das praias do Recife e Olinda. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2007; p. 253-254.
MyFreeCopyright.com Registered & Protected
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...