Marcelo Lins
Os dias de verão vão chegando
quentes, o espaço democrático das praias fervilha de gentes de todas as idades
e classes sociais, crianças, velhos, novos, homens, mulheres, negros, brancos,
todos em busca da brisa fresca do mar e dos prazeres dos banhos salgados.
Afinal, nada combina mais que um dia de verão, praia, uma cervejinha gelada e
um banho de mar, não é?
Mas nem sempre foi assim, os
banhos de mar, que nos dias de hoje nos parecem tão corriqueiros, só se
tornaram populares a partir da segunda metade do século XIX e início do século
passado.
Até final do século XVIII e primeiras
décadas do século XIX, o costume, principalmente das classes médias e elite
urbanas do Recife, era passar o período mais quente do ano nos povoados
ribeirinhos dos rios Capibaribe e Beberibe. Fugindo do calor citadino, as
famílias dirigiam-se ao campo em busca de tranquilidade e dos refrescantes
banhos de rio, animando durante o período de festas de fim ano os arrabaldes do
Poço da Panela, Caxangá, Benfica, Madalena, Ponte d’Uchoa, Beberibe.
É raro encontrar margens mais risonhas do que as do Capibaribe,
quando se sobe em canoa até o povoado do Poço da Panela.
Ora são lindas casas de campo, cujos jardins e
terraços avançam até o rio; ora belas planícies bordadas de mangues, ou de
plantações de mangueiras magnificas, de laranjeiras e de cajueiros... [1]
Até meados do século XIX, apenas
alguns poucos destemidos e, principalmente, estrangeiros, mais afeitos aos banhos
salgados já bem difundidos na Europa, aventuravam-se nas águas do mar. Em 1837,
o naturalista inglês George Gardner, durante sua estadia em Pernambuco,
justifica “nos climas quentes dá-se preferência às águas dos rios, para evitar
a grande irritação produzida pela cristalização do sal sobre a pele”.[2]
O francês L. F. de Tollenare, em
sua passagem por Pernambuco em princípios do século XIX, comenta os costumes da
época.
É nas margens do Capibaribe que cumpre ver famílias
inteiras mergulhando no rio e nele passando parte do dia abrigadas do sol sob
pequenos telheiros de folhas de palmeira; cada casa tem o seu, perto do qual há
um pequeno biombo de folhagem para se vestir e despir.
As senhoras da classe mais elevada banham-se nuas,
assim como as mulheres de cor e os homens.
A aproximação de alguma canoa, mergulham até o
queixo, por decência; mas, o véu é demasiado transparente! Vi nestes banhos a
mãe amamentando o filho, a avó mergulhando ao lado dos netos, e as moças da
casa, traquinando no meio dos seus negros, lançarem-se com presteza e
atravessarem o rio à nado.
A posição do corpo requerida por este exercício não
deixa ver a quem passa nem o seio nem parte alguma da frente do corpo, de sorte
que elas consideram o pudor resguardado; mas, há outras formas não menos
sedutoras que o olhar pode contemplar à vontade.[3]
A partir dos anos de 1840, surgem
os primeiros defensores dos banhos salgados, com ênfase nas suas qualidades
medicinais. Em 1843, Manoel Pereira Teixeira, membro da Sociedade de Medicina
de Pernambuco, recomendava o uso terapêutico “dos banhos frios, e em particular
os de mar, durante a estação do verão”[4]. Em
seu Dicionário de Medicina Popular (1890), Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, proclama
os benefícios do banho de mar para a salubridade e bem-estar físico e mental.
Em 1901, a água do mar é
considerada “uma verdadeira água mineral, riquíssima de princípios salinos; uma
fonte de vitalidade onde os fracos,
os doentes de toda espécie podem encontrar lenitivo para seus sofrimentos. A
própria aragem do mar purifica”[5].
As mudanças operadas nos costumes
da sociedade pernambucana em meados do século XIX, ficam claras, quando em fins
da década de 1840 surgem na imprensa local os primeiros anúncios de aluguel de
casas para as temporadas de verão nas praias de Olinda. Diario de Pernambuco de
20 de fevereiro de 1847, divulgava uma casa na rua da Praia de São Francisco
cuja proximidade do mar permitia “o uso dos banhos salgados”.
Em 1854, a conclusão da ponte da
Tacaruna e a inauguração do serviço de ônibus entre as duas cidades, em meados
de 1855, facilitou a ligação entre Recife e Olinda. Os trilhos da maxambomba
chegam a Olinda em 24 de junho de 1870. Nesse dia duas mil pessoas circularam
nos trens que ligavam o Recife à estação do Varadouro. No verão o aumento da
demanda obrigava a Companhia de Trilhos Urbanos a ampliar o horário e número de
viagens.
A prática dos banhos salgados
difunde-se, indo além do pequeno grupo social da elite e classe média,
abrangendo as categorias menos abastadas. Olinda como centro balneário em
ascensão recebia a maior parte do fluxo de “veranistas” que corriam às praias
do Carmo, Milagres e São Francisco, ao romper da madrugada, antes do raiar do
dia, até as sete horas da manhã, como era o costume.
Inda o dia não é claro,
já lá vão por Carmo fora,
Pai, mãe, sobrinho, nora, [...]
já lá vão por Carmo fora,
Pai, mãe, sobrinho, nora, [...]
Vê-se pisando sestrosas
Sinhazinhas nas areias
Sem botinas e sem meias,
Correndo de quando em quando
Das ondas que vem rolando[6].
Sinhazinhas nas areias
Sem botinas e sem meias,
Correndo de quando em quando
Das ondas que vem rolando[6].
[1]
TOLLENARE, L. F. de. Notas dominicais. Tradução de Alfredo de Carvalho.
Apresentação José Antônio Gonsalves de Mello. 2. ed. Recife: SEC, Departamento
de Cultura, 1978.
[2]
Citado em ARAUJO, Rita de Cássia Barbosa de. As praias e os dias: história social das praias do Recife e Olinda.
Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2007; p. 86.
[3]
TOLLENARE, L. F. de. Notas dominicais.
Tradução de Alfredo de Carvalho. Apresentação José Antônio Gonsalves de Mello.
2. ed. Recife: SEC, Departamento de Cultura, 1978.
[4]
TEIXEIRA Manoel Pereira, “Memória sobre as causas prováveis da frequência do
hidrocele nesta Cidade do Recife”. In Annaes
da Medicina Pernambucana. Recife, ano I, n. II, fev 1843; in Annaes
da Medicina Pernambucana (1841-1844). Recife: Secretaria de Educação e
Cultura, 1977.
[5]
Almanach de Pernambuco - Julio Pires Ferreira - 1901 - Recife (PE) - Brasil
[6]
ARAUJO, Rita de Cássia Barbosa de. As
praias e os dias: história social das praias do Recife e Olinda. Recife:
Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2007; p. 253-254.