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sábado, 10 de dezembro de 2016

Recife e Olinda: duas cidade, uma história – Antes


Marcelo Lins


Luís Teixeira (c 1582-1585)


Ao longo de cinco séculos as cidades de Olinda e Recife têm construído e partilhado uma história repleta de dicotomias e semelhanças. Por obra do destino e vontade dos homens formaram-se duas cidades vizinhas siamesas, com suas fronteiras tão imbricadas que muitas vezes é difícil saber onde começa uma e termina a outra.

É assim também com as suas histórias. As duas cidades seguiram trajetórias históricas paralelas, mas entrelaçadas de tal forma que é impossível separar ou fazer referência à história de uma, sem levar em conta o passado da outra.
A pouco mais de 500 anos os arvoredos da Mata Atlântica cobriam grande da parte região litorânea brasileira, se estendendo ao longo da costa desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul. O famoso navegador florentino Américo Vespúcio em sua viagem de 1501 descreve o Brasil como terra amena, “cheia de inúmeras e muito grandes árvores verdes, que nunca perdem as folhas; todas têm odores suavíssimos e aromáticos”. [1]
Na altura de oito graus ao sul do Equador descortinava-se um conjunto de verdejantes colinas de topografia suave, que se projetavam em direção ao mar, formando a ponta de Olinda ou de Jesus, numa referência ao colégio jesuíta construído posteriormente sobre a colina mais alta. 
Do lado do oceano a ponta era rodeada pela praia que se prolonga para o sul, formando um estreito istmo que liga os morros da futura Olinda a uma pequena península, que nada mais era que um banco de areias brancas com alguma vegetação rasteira. Diante da península, do lado do mar, a barreira natural de arrecifes correndo paralelo à costa na direção sul. Entre a barreira de arrecifes e a península formava-se um porto natural abrigado.
Um porto tão quieto, e tão seguro,
Que para as curvas naus serve de muro.
É este porto tal, por estar posta,
Uma cinta de pedra, inculta, viva,
Ao longo da soberba, e larga costa,
Onde quebra Netuno a fúria esquiva.
Ante a praia, e pedra descomposta...[2]

Por trás desta “cinta natural” formou-se a planície sedimentar, hoje ocupada pela cidade do Recife. Uma vasta área plana que há alguns milhares de anos formava uma baía, delimitada ao norte pelas colinas onde hoje se assenta a cidade alta de Olinda, ao sul pelos montes Guararapes e a oeste pelos morros de Aldeia. Esta topografia permitiu o assentamento dos sedimentos depositados pelo último recuo marinho a cerca de sete mil anos e pela ação  dos rios Capibaribe e Beberibe formou-se uma vasta planície fluviomarinha constituída por terraços marinhos, restingas, mangues e ilhas, entrecortados por rios, canais e camboas.

Os arrecifes continuam na direção sul, agora mais próximo da terra, por onde corre uma enseada não muito grande ao longo do mar com belas praias de areia branca até a ponta a que os portugueses, no início do século XVI, denominaram de Cabo de Percaauri ou Pero Cabarigo, nas proximidades da embocadura do rio Jaboatão. Ainda em princípios do século XVII, o trecho da costa que se estendia desde a ponta de Olinda ao cabo de Pero Cabarigo era formado por terra baixa e cheia de mangues verdes, e junto ao mar por praias de areia branca, hoje, tomada pela floreta de concreto dos arranha-céu de Boa Viagem, Piedade e Candeias.




[1] Carta de Américo Vespúcio a Lourenço dei Medici, set/outubro de 1502; in Amado, Janaína. Brasil 1500: quarenta documentos. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2001; p. 276.
[2] Bento Teixeira. Prosopopéia. Reprodução fiel da edição de 1601 segundo exemplar existente na Biblioteca Nacional e Pública do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typographia do Imperial Instituto Artístico, 1873;  p. 24. Disponível em  http://www.archive.org.






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