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domingo, 6 de novembro de 2016

A Fortaleza de Duarte Coelho




Marcelo Lins


Poucos, talvez, reflitam que enquanto contemplam a bela vista no Alto da Sé em Olinda, estão a caminhar sobre os vestígios do que foi a antiga vila de Olinda do século XVI, Entre os anos de 1535 e 1537, Duarte Coelho mandou erguer ali, no atual largo da Sé de Olinda, posição militarmente estratégica para a defesa do pequeno povoado nascente, uma torre de pedra que lhe servia de moradia e reduto fortificado naqueles primeiros e conturbados anos da colonização.

Marin de Olinda, detalhe gravura de Hans Staden, 1557



O sítio escolhido, oferecia condições propicias para defesa e excelente posto de observação de onde se podia controlar grande parte da costa e do território circunvizinho. Além disso, tinha a proximidade do porto protegido por arrecifes naturais; e da planície do Recife, que além de solo fértil para a cultura da cana-de-açúcar, era cortada pelos rios, Capibaribe e Beberibe, o que facilitava, não tão somente, o transporte do açúcar para o porto, mas também o acesso às matas interiores, fartas em lenha e pau-brasil.

Para os que se aproximavam da costa pelo mar, a torre fortificada destacava-se na paisagem entre os coqueiros e o casario da vila. Para Varnhagen, a construção constituía-se de um castelo quadrado à maneira das torres de ménage medievais. Nos castelos da idade média, a torre de ménage, também conhecida como donjon, era a estrutura mais alta do sistema defensivo, frequentemente cercada por fosso e muralha, independentes da muralha principal que fazia a primeira linha de defesa. A Torre de ménage tirava proveito da grande altura de suas paredes, para controlar os movimentos das forças sitiantes e, como último reduto de defesa, permitia que um pequeno número de defensores se contivesse as investidas de forças numericamente superiores.

Foi esta semelhança entre a torre olindense e as primitivas torres de ménage dos castelos medievais que levou o ilustrador do livro de Hans  Staden a representar Olinda nos moldes de uma cidadela medieval. O livro, publicado em Marburg na Alemanha no ano de 1557, relata as aventuras vividas pelo mercenário alemão Hans Staden (c. 1524-c. 1576) em suas duas viagens ao Brasil entre os anos de 1548 e 1554[1]. Baseado apenas nos relatos do próprio Staden, mas desconhecendo a realidade do novo mundo, o artista buscou inspiração nas construções existentes na Europa. Nesta gravura que apresenta o litoral de Pernambuco de forma alegórica, Olinda aparece como uma cidade fortificada cravada no alto de uma colina e cercada por torres e muralha.

Apesar da inspiração nas torres de ménage medievais, a estrutura olindense resumia-se a uma simples torre de pedra e cal, situada em local elevado e que tirava proveito da declividade das encostas como linha de defesa externa. Nos primeiros anos de formação da vila, a torre de Duarte Coelho constituía-se na única construção em pedra do pequeno povoado, moradias, armazéns e lojas, prédios públicos e mesmo as igrejas eram de taipa. O que condizia com as condições e precariedade de uma povoação embrionária nestas terras do Novo Mundo, em pleno século XVI, tão distante da realidade conhecida pelos europeus. 

No mapa atribuído ao cartógrafo Luis Teixeira e datado entre 1573 e 1578[2],  o prédio apresenta-se como uma simples estrutura quadrada encravado no topo da colina, de linhas retas com pequenos traços, que podem representar seteiras. Em seu Tratado Descritivo do Brasil em 1587, Gabriel Soares de Sousa (1540-1591) observa a presença da torre de pedra e cal, edificada meio século antes pelo donatário Duarte Coelho, que ainda agora está na praça da vila.[3] Construído em blocos de pedras extraídos da pedreira, que se situava não muito longe, ao pé do outeiro onde os padres Jesuítas levantaram seu Colégio de Nossa Senhora da Graça.

Frei Vicente do Salvador lembra, na sua História do Brasil (1627), os trabalhos e apertos sofridos pelo capitão de Pernambuco, que nos primeiros anos da colonização enfrentou as constantes ameaças dos indígenas donos da terra, e também a presença constante dos corsários franceses que rondavam a costa em busca de presas e pau-brasil. Segundo frei Vicente não poucas vezes viu-se Duarte Coelho cercado em sua fortaleza com muitas necessidades de fome e sede, contra quem não valiam as balas, que valorosamente atiravam de dentro, ainda que com elas matavam muitos gentios e franceses. [4]
Em 1577, ao que parece, a torre ainda servia de moradia para a viúva do donatário e seus familiares,  como se apreende de registro existente no livro de Tombo do Mosteiro de  São Bento, no qual,  o escrivão esclarece que foi encontrar a viúva de Duarte Coelho, D. Beatriz de Albuquerque, na fortaleza desta vila.[5]

Ainda em princípios do século XVII, a torre de Duarte Coelho continuava a se destacar na paisagem, quase um século de pois de sua construção. Para quem se aproximava da costa Vindo do mar de fora se faz esta ponta [de Marin] espinhosa por cima, e são os coqueiros, e a torre que está no meio dela, e algumas casas grandes, que fizeram pelo alto na povoação, como consta do roteiro da costa do Brasil de Manoel Figueiredo (1568-1630), cosmógrafo-mor do reino de Portugal entre os anos de 1606-1622, publicado em Lisboa no ano de 1625.[6]

A antiga torre de Duarte Coelho, fincada na praça principal da Vila de Olinda em algum lugar do atual Alto da Sé, em terreno margeado pela antiga Rua Nova, hoje Bispo Coutinho, do mesmo lado da igreja, que lhe ficava por diante pelo lado do mar, foi demolida, provavelmente, entre os anos de 1620 e 1630. Quando da invasão holandesa em fevereiro de 1630, já não mais existia, gritante sua ausência dos relatos e iconografia da época.




[1] STADEN, Hans, 1520-ca 1565 Viagem ao Brasil.  Rio de Janeiro : Academia Brasileira, 1930; p. 33. Disponível em: http://purl.pt/151/1/index.html.
[2] SILVA, Leonardo Dantas. Pernambuco: imagens da vida e da história. Prefácio de Marco Maciel; apresentação de Antônio Oliveira Santos. Recife: SESC, 2001; p. 27.
[3] SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. Apresentação de Leonardo Dantas Silva. 9 ed. rev. e atual. Recife: FJN, Ed. Massangana, 2000; p. 20.
[4]. SALVADOR, Vicente do, fl. 1627 Historia do Brazil / Fr. Vicente do Salvador. - Rio de Janeiro : Biblioteca Nacional, 1889. P. 48. Disponível em: http://purl.pt/154.
[5] MELLO, José Antônio Gonsalves de. “O Livro de Tombo de São Bento” in BIBLIOTECA VIRTUAL José Antônio Gonsalves de Mello · http://www.fgf.org.br/bvjagm.
[6] Figueiredo, Manoel. Hidrographia exame de pilotos: no qual se contem as regras que todo piloto deue guardar em suas nauegações ... : com os roteiros de Portugal pera o Brasil, Rio da Prata, Guinè, S. Thomé, Angolla, & Indias de Portugla  & Castella, Lisboa: Vicente Alvarez, 1625. Disponível em: http://www.archive.org/stream/hidrographiaexam00figu#page/n0/mode/1up


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