Marcelo Lins
Quando Colombo aportou no Novo
Mundo em fins do século XV, ficou sabendo que os caribes, povo guerreiro que habitava as Pequenas Antilhas, eram
comedores de carne humana. Historiadores e filólogos acreditam que o navegador
genovês, ainda acreditando encontrar-se na costa leste da Ásia, teria entendido
canibas, súditos do grande Kahn,
imperador mongol da China. Surgiu então deste engano a palavra canibalismo para designar os povos que praticavam a
antropofagia.
Gravura de Theodore de Bry para a edição de 1592 do relato da viagem de Hans Staden.
Em meados de agosto de 1501, chegou
à costa nordeste do Brasil a frota comandada por Gaspar de Lemos, o mesmo que
no ano anterior foi portador da carta de Pero Vaz de Caminha com a notícia do
“descobrimento” do Brasil. Lemos que chegara a
Lisboa em meados de 1500 e, como
se diz foi num pé e voltou no outro,
já em 10 maio de 1501 partia de volta ao Brasil por ordem do Rei D. Manuel, no
comando da primeira missão de exploração da costa. Integrava a frota o
famoso navegador florentino Américo Vespúcio, que fazia sua terceira viagem ao
Novo Mundo.
Segundo a Carta de Américo Vespúcio a Pedro Soderine, documento apócrifo que
circulou na Europa em princípios do século XVI, durante esta viagem Américo
Vespúcio teria testemunhado uma das primeiras refeições em que europeus brancos
foram o prato principal.
Depois dos primeiros dias de
contato com os nativos, os portugueses avistaram uma grande quantidade de homens
e mulheres na praia. Acreditando tratar-se de uma recepção amistosa, um dos
tripulantes dirigiu-se ao grupo de mulheres quando
chegou junto delas, fizeram-lhe grande cerco, ao redor, olhando-o e
maravilhando-se ... vimos uma mulher do monte que trazia na mão um grande pau;
quando chegou onde estava o nosso cristão, veio atrás dele e, deu tão grande
golpe que o estendeu morto em terra. Neste momento os homens armados de
flechas atacaram os europeus que retornaram aos seus barcos, disparando tiros
de armas de fogo. O relato continua, ouvido
o estrondo, todos fugiram para o monte,
onde as mulheres despedaçando o cristão a nossa vista, o estavam assando num grande fogo que feito,
mostrando-nos muitos pedaços e comendo-os. Os homens faziam sinais, com gestos,
de como haviam morto e comido os outros dois cristãos [alguns dias antes
dois tripulantes haviam seguido com os nativos para o interior e não mais
voltaram][1].
Seja verídico ou não o relato
atribuído a Vespúcio, o certo é que durante a maior parte dos dois séculos
seguintes, o canibalismo tornou-se um dos aspectos marcantes da construção da
imagem dos nativos do Novo Mundo.
[1][1]
Amado, Janaína. Brasil 1500: quarenta
documentos. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 2001; p. 335.