Marcelo Lins
A bem da verdade, o termo gringo
do título acima não se aplica de forma categórica ao inglês Henry Koster. O Filho
do comerciante inglês John Theodore Koster, nasceu na cidade de Lisboa em 1793.
Aportou no Recife em 7 de dezembro de 1809, a bordo do navio Lucy, vindo de Liverpool, para tratar a tuberculose
que o afligia.
Criado entre Lisboa e Liverpool,
Koster fugia do estereótipo do viajante estrangeiro em terras estranhas. Falando português fluentemente, e segundo suas
próprias palavras língua que me é mais
familiar que a do meus país[1]. Inicialmente, estabeleceu-se no
Recife, onde engajou-se ativamente na vida social e cultural da cidade, cultivou
várias amizades e participou até da política local. Sentia-se tão à vontade,
chegando mesmo a afirmar: A Inglaterra é a minha pátria mas o meu país natal é Portugal. Pertenço aos dois, e
na companhia de ingleses, portugueses ou brasileiros, sinto-me igualmente entre
patrícios.[2]
Em Pernambuco foi senhor de
engenho em Itamaracá, dono de escravos, vivendo,
assim pernambucanamente.[3] Observador atento e desprovido de preconceitos
xenófobos tomou notas dos aspectos sociais, pitorescos, econômicos e
geográficos do Nordeste do Brasil e seus
habitantes. Notas estas reunidas no livro Travels
in Brazil, publicado em Londres no ano de 1816.
Em uma das passagens do seu
livro, Koster relata os festejos de carnaval passados na ilha de Itamaracá, em
1815. Naquele ano, a chamada terça-feira gorda caiu no dia 7 de fevereiro. No
sábado, Koster, em companhia do vigário, dirige-se à vila do Pilar, onde
encontra já instaladas as famílias dos engenhos Macaxeira e São João. A
primeira atividade, ainda no fim da tarde do Sábado, foi a apresentação de um
famoso dançarino de corda, que exibiu-se ao ar livre numa corda estendida
entre dois coqueiros a grande altura. O bailarino executou
suas habilidades com ágil e considerável elegância. O espetáculo prosseguiu
até tarde da noite com o dançarino rendendo homenagens aos convivas - Vou dançar pela saúde do Vigário! –
recolhendo, depois, seu pagamento como de costume e com muitos gracejos junto ao homenageado.
O dia seguinte inicia-se com
tradicional missa dominical na igreja da vila. Depois da cerimônia, no entanto,
os paroquianos dedicam-se às brincadeiras do entrudo, devidamente registradas
pelo “inglês”.
Depois que a cerimônia na Igreja terminou, o
"entrudo", pilherias e artimanhas começaram e antes que esse
divertimento findasse pela tarde, cada pessoa fora obrigada a mudar sua roupa
várias vezes. As senhoras brincavam com alma e coração, especialmente a velha
dona de Macaxeira [Engenho Macaxeira], que ia de um a outro, até que a guerra acabasse. Os padres eram tão joviais
como os demais, sendo apenas notada, sua superioridade de educação. Suas
pilhérias eram muito oportunas e nunca acompanhadas por qualquer brutalidade na
conduta, mostrando sempre polidez em suas maneiras, mesmo quando ensopavam as
pessoas que atacavam, tomam a precaução de fazer jogo claro, quando outros não
eram assim felizes maior parte da luta.[4]
A segunda-feira é inteiramente
dedicada aos divertimentos do carnaval, pela
manhã todos despertam prontos para a ação, que dura toda a manhã e
prolonga-se até as três horas da tarde. A festa continua com a teatralização de
uma batalha entre mouros e cristãos.
Na praia, um tablado de sobre
estacas, montado durante a maré baixa, representa uma fortaleza moura,
assediada pelas tropas cristãs. O espetáculo fora calculado para começar quando
a maré estivesse bem alta, e a estrutura estivesse completamente rodeada pelas
águas.
O enredo conta a história do rei Mouro
que recusa o batismo, provocando o início da guerra. No mar, numerosas
jangadas e canoas, de cada facção, movimentam-se para a fortaleza no meio da
água, uns para atacá-la e outras para defende-la. A apoteose se dá com a derrota e
aprisionamento do rei mouro. Uma festa,
Verdadeiramente brilhante, e a praia estava
repleta de povo, com suas melhores roupas, os mais finos e caros, como sedas, cetins,
musselinas, algodões estampados, enfeites de ouro e pedras preciosas, chapéus
de seda e de tafetás, fitas de todas as cores e em grande quantidade, sapatos
brancos, pretos e de várias tonalidades e vestidos [..., jalecos de algodão,
feitos para essa festividade, coletes bordados, calças de nanquim de outras fazendas ligeiras, chapéus altos,
uns de castor, outros de palha, uns redondos, outros menores, botas altas,
sapatos e sandálias.
O dia da partida era marcado pelo
que Koster chamou de estranho costume.
Durante a despedidas, as pessoas que ficavam reuniam-se diante das portas,
munidos com utensílios domésticos de
metal, batiam um objeto contra o outro,
num barulho infernal. Essa brincadeira é praticada nessas ocasiões, causando
muita alegria.
[1]
KOSTER, Henry, 1793-1820. Viagens ao
Nordeste do Brasil. Tradução e prefácio de Luis da Câmara Cascudo; estudo
introdutório e organização Leonardo Dantas Silva; 11 ed. atual. Recife:
Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 2002;
vol. 1, Prefácio do Autor.
[2]
Idem; vol. 2, p. 518
[3]
DANTAS-SILVA, Leonardo e SOUTO MAIOR, Mário (organizadores). O Recife: quatro séculos de sua paisagem.
Recife: Fundaj, Ed. Massangana; Prefeitura da Cidade do Recife, Sec. de
Educação e Cultura, 1992; p. 78.
[4]
KOSTER, Henry, 1793-1820. Viagens ao
Nordeste do Brasil; p. 516-517.