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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Tem gringo na “folia”! - L. F. de Tollenare


Aproveitando estes dias que antecedem as festas carnavalescas, achei interessante trazer os relatos de alguns viajantes estrangeiros do século XIX, e suas impressões sobre as festas momescas.

O primeiro deles, o comerciante e industrial francês Louis François de Tollenare-Gramez, simplesmente L. F. de Tollenare, como é mais conhecido.  Nascido na cidade de Nantes, em 4 de abril de 1780 e falecido na mesma cidade a 25 setembro 1853,  Tollenare chegou ao porto do Recife em 13 de janeiro de 1816. As guerras napoleônicas haviam afetado substancialmente seus negócios e dificultado a importação de algodão das ex-colônias inglesas da América do Norte. Sua vinda ao Brasil tinha como objetivo buscar novos fornecedores de algodão, como parte de uma sociedade estabelecida com o conde du Fou, François-Marie-Bonaventure du Fou (1765-1833), prefeito da cidade de Nantes e seu primo pelo lado materno.

 Jogos durante o entrudo no Rio de Janeiro,  Earle, Augustus, 1793-1838.
aquarela,  21.6 x 34 cm. (c.1822)
Homem de curiosidade intelectual e observador infatigável[1], segundo as palavras de Oliveira Lima, com apreço especial pelas questões da botânica, Tollenare tinha por hábito anotar todo domingo os acontecimentos da semana, prática que manteve durante sua residência em Pernambuco entre os anos de 1816 e 1817. Naquelas páginas registrou fatos e eventos da vida política e social de Pernambuco de princípios do século XIX, mais tarde publicados em suas Notes dominicales: prises pendant un voyage en Portugal et au Brésil en 1816, 1817 et 1818

Aqueles dias de carnaval de 1817  surge na pena de Tollenare, não tão somente como dias de festas, mas dias de uma liberalidade estranha e, até mesmo, constrangedora para os padrões bretões do comerciante francês. O carnaval ou entrudo não admite outros folguedos senão o de assaltos recíprocos com bolas de cera cheias d'água, com seringas, laranjas e ás vezes cousas piores. [2]

Durante os dias de festa, as regras cotidianas da boa conduta ficavam alteradas. A sociedade Luso-brasileira extremamente ciosa da intimidade do lar, abria suas portas para as brincadeiras do entrudo. Ao entrar em uma casa, mesmo estranha, pode-se estar certo de ser recebido pelas senhoras com um copo d'água no rosto ; é permitido retaliar ; a guerra é assaz animada e presta- se a alguns “tours de mains”.  Também  cai por terra a rígida clausura imposta às mulheres lusitanas, motivo de chacota para os vizinhos hispânicos da península Ibérica e da América Latina, sempre a galhofar do ciúme extremado dos portugueses, e que não passou desapercebido pela pena do comerciante francês:



A licença destes dias me deu acesso á casa de algumas vizinhas, da classe média, as quais até então apenas lobrigara.
Foi-me permitido oferecer-lhes uma merenda na sua própria casa.
Mandei-se buscar doces, frutos e vinho na venda próxima.
A mãe estava presente.
A conversação não era muito espirituosa ; mas, alegre, um pouco livre e versou sempre sobre o amor e o casamento.



Raros momentos de trégua, interrompidos:



por garrafas d’água que nos despejavam pela cabeça, na camisa e — sinto um pouco de vergonha em dizê-lo  —  até nas calças. As senhoras vos seguram, vós vos debateis, e neste conflito, algumas vezes mais que bizarro, é difícil não esquecer um pouco que nos achamos em boa sociedade.



Situação embaraçosa em que a vítima da brincadeira se não adequadamente vestida acaba-se quase por ficar despido.
Se as brincadeiras do entrudo praticadas entre a boa sociedade da classe média desagradavam  de tal forma os padrões de conduta do viajante europeu, a ponto de que Não desejaria ver, nem minha irmã nem minha esposa, em meio das recreações do entrudo. O que pensar do carnaval de rua praticado pela população mais humilde e dos escravos O que se passa nas ruas, entre os escravos e a baixa plebe, é ainda mais violento : depois das laranjinhas vêm as garrafas, as imundícies e as cacetadas.

Bibliografia

-         ANTOLOGIA do carnaval do Recife. Organizado por Mário Souto Maior e Leonardo Dantas Silva. Estudo introdutório de Leonardo Dantas Silva, “Elementos para história social do carnaval do Recife” (p. XI - XCVII). Recife: FUNDAJ, Ed. Massangana, 1991. XCIX, 406 p. il. (Obras de consulta,  n. 11). Inclui bibliografia e pentagramas musicais.
-         SILVA, Leonardo Dantas. Carnaval do Recife. Prefácio de José Ramos Tinhorão. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2000. 410 p.  il. Inclui bibliografia.
-         TOLLENARE, L. F. de. Notas dominicais. Tradução de Alfredo de Carvalho. Apresentação José Antônio Gonsalves de Mello. 2. ed. Recife: SEC, Departamento de Cultura, 1978.  272 p. il. (Coleção pernambucana; 1ª fase, v. 16).
-         BOXER, Charles Ralph. Women in Iberian expansion overseas, 1415-1815: some facts, fancies and personalities. New York: Oxford University Press, 1975.


[1] OLIVEIRA LIMA, Manuel de. “Prefácio”; in TOLLENARE, L. F. de. Notas dominicais. Tradução de Alfredo de Carvalho. Apresentação José Antônio Gonsalves de Mello. 2. ed. Recife: SEC, Departamento de Cultura, 1978.  272 p. il. (Coleção pernambucana; 1ª fase, v. 16).

[2] TOLLENARE, L. F. de. Notas dominicais. Tradução de Alfredo de Carvalho. Apresentação José Antônio Gonsalves de Mello. 2. ed. Recife: SEC, Departamento de Cultura, 1978.  272 p. il. (Coleção pernambucana; 1ª fase, v. 16); p. 128-129.






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